O HAMAS FOI CRIADO POR ISRAEL?

Por: Rafael “Hussein” Silva


Andando pela internet essa semana e me deparei com uma dita página islâmica chamando o grupo de resistência palestino Hamas de “terrorista” e fazendo a alegação de que o grupo fora criado por Israel e que por isso ele seria contra a causa palestina. Enfim, é um argumento bem falacioso, eu digo que meu inimigo foi criado por mim a fim de que os apoiadores de meu inimigo percam o interesse nele e retire seu apoio. A argumentação principal é que o grupo que seria o Hamas foi criado após a Guerra dos Seis Dias (1967) pelos israelenses a fim de minar a autoridade da OLP, que trabalhava arduamente pela liberação real da Palestina. Não queremos criticar o trabalho da OLP, porém esse tipo de argumentação desmerece a luta palestina, parecendo que ela começou ali, depois de 1967, o que é, de fato, uma mentira.


Quando começou a Luta Palestina?

No final do século XIX a fim de minar a influência otomana no Oriente Médio e explorar os recursos locais, as potências estrangeiras invadiram várias terras otomanas árabes, e fomentaram ali as lutas por sua independência. Após a derrota do Império Otomano na I Guerra Mundial em 1918 esses países, Inglaterra e França, dividiram o Oriente Médio entre eles, criando neo-colônias, mas com um projeto muito ruim para com a religião muçulmana.

Síria e Líbano ficaram nas mãos dos franceses, e Egito, Palestina e Iraque nas mãos dos ingleses. Os franceses aproveitaram as divisões sectárias nesses países para controlar seu povo [1], o famoso “dividir para conquistar”, porém os ingleses tinham um projeto mais “progressista”. Eles acreditavam que a religião islâmica oprimia seu povo e queriam retirar esse véu de opressão, então começaram a instigar as muçulmanas a não usarem hijab, ao povo usar roupas ocidentais e irem a escolas ocidentais, os homens a fazer a barba e abandonar trajes tradicionais, além de ocidentalizar todas as instituições, organizações e forma de governo [2].

Nesse contexto o primeiro a questionar as autoridades inglesas e a pregar a volta aos tradicionalismos muçulmano foi Hassan al-Banna (1906 – 1949) quando em 1928 ele fundou a Irmandade Muçulmana, um grupo cuja função era promover os valores islâmicos tradicionais na sociedade muçulmana, porém nesse momento a atuação de al-Banna e seu grupo era mais restrita ao Egito, apesar de sua fama se espalhar por terras árabes. Na Palestina desde que o Alto Comissariado surgiu em 1921 com um governo britânico civil, os mesmos estavam incentivando cada vez mais a imigração judia para a Palestina, e junto a sua política de ocidentalização, fizeram surgir os primeiros movimentos de resistência, sendo as duas principais a guerrilha armada do Sheik al-Qassam [3] e a resistência política do Sheik Amin al-Husayni (1895 – 1974).


A Luta do Sheik Ahmed Yassin [4]

Desde a criação de Israel em 1947 a vida dos palestinos tem sido dura. Além de barrar a criação do estado palestino, Israel continuou a chamar judeus para irem morar em sua nova pátria, e com isso precisavam de novas terras, então eles invadiram no ano seguinte as cidades palestinas iniciando o al-Nakba (a Tragédia) pois os judeus não apenas invadiam as terras mas desapropriava seus moradores e matavam quem resistia, e faziam os palestinos percorrerem milhares de kilometros a pé sem água ou suprimentos para se instalarem na Cisjordânia.

Nesse contexto, desde 1962 um palestino que havia estudado no Egito, o Sheik Ahmed Yassin (1938 – 2004) começa a pregar a libertação palestina, porém ninguém dava ouvidos, e os massacres aos palestinos apenas continuava, sendo preciso em 1967 dois países árabes se unirem para atacar Israel e acabar com esses massacres, porém os árabes são derrotados e Israel acaba transformando os territórios palestinos em verdadeiros campos de concentração. Cansado da total falta de apoio de países ditos muçulmanos, e dos palestinos abandonados a própria sorte, desarmados e sem ninguém para protege-los, Yassin começa a luta armada em 1982 na Palestina, como forma de proteção aos oprimidos pelo governo. A situação palestina era tão desumana que em dezembro de 1987 os palestinos começaram a atacar os israelenses com paus e pedras, pois o exército israelense além de não permitir a criação de um exército no território palestino, ainda tentava vigiar a entrada de armas [5], e esse episódio ficou conhecido como Primeira Intifada. Durante esse episódio os líderes Sheik Ahmed Yassin, Abdel Azziz al-Rantisse (1947 – 2004), Mohammad Taha e Hassan Yousef criaram o Hamas, uma sigla para Movimento de Resistência Islâmica em árabe mas também uma palavra que serve para designar um trabalho árduo em árabe. Ou seja, o Hamas foi criado para lutar pelos direitos e pela libertação da Palestina, tal como as lideranças já citadas vinham fazendo a um bom tempo. Em 1991 o grupo teve que se dividir em duas alas para facilitar a luta, então foi criado um braço político, em forma de partido e um braço armado de resistência contra os invasores israelenses chamado Brigadas al-Qassam. Em 2006 o braço político chegou fácil ao poder na Faixa de Gaza, tamanho é o descontentamento com as autoridades da OLP que pouco faziam pelos palestinos a não ser, apenas, tentar dialogar.


Mas por que veio isso agora de dizer que o Hamas foi criado por Israel?

O Sheik Ahmed Yassin quando começou seu envolvimento na política palestina em 1967 na Gaza ocupada pelos israelenses, ele arranjou uma forma de ajudar os muçulmanos oprimidos pelos governantes locais, criando em 1973 o grupo Mujama al-Islamyyiah (Centro Islâmico), uma espécie de ONG que visava ajuda financeira aos palestinos bem como um assistencialismo geral, construindo escolas e mesquitas, reformando hospitais e fazendo caridade aos mais necessitados. Esse grupo é visto por muitos como o antecessor do Hamas, só que aí vem o problema, em 1979 o governo israelense da Faixa de Gaza reconheceu o Mujama como uma entidade de caridade boa, tirando para eles a ideia de que Yassin representava uma ameaça ao governo.

Mas agora veja bem, o grupo foi criado em 1973, e somente 6 anos depois ele foi reconhecido, e três anos após esse reconhecimento Yassin entra na luta armada contra Israel em 1982. Se houve apoio de Israel ao grupo, por que Yassin lutaria contra aqueles que o apoiaram? Não faz sentido. Além do fato de que realmente o Hamas continuou as obras assistencialistas do Mujama, porém o grupo não era uma idealização apenas do Yassin, mas de outros 6 membros que o ajudaram a fundar (citei 3 deles aqui), e nenhum deles nunca teve qualquer relação com Israel, seja os 6 ou o próprio Yassin.

Como já dito, essa argumentação de que o Hamas foi criado por Israel apenas ajuda os judeus a endossarem sua luta anti-palestina minando o apoio ao grupo. Chamar o grupo de “terrorista” também só ajuda nessa luta anti-palestina, pois o braço armado do Hamas faz um papel de exército palestino, já que os israelenses proibem a Palestina de se defender. Espero em algum momento poder falar do outro grupo de resistência palestino, o Jihad Islâmica.


BIBLIOGRAFIA


[1] MOOSA, Matti. Extremist Shiites: The Ghulat Sects. Siracusa: The University of Syracuse Press. 1987. Cap. 24.

[2] FEENER, R. Michael. The New Cambridge History of Islam. Vol. 6. Cambridge: University of Cambridge Press. 2010. Pág. 39.

[3] http://estudosislamicos.blogspot.com/2017/05/o-sheik-al-qassam.html

[4] http://estudosislamicos.blogspot.com/2017/07/sheik-ahmed-yassin.html

[5] SHAVIT, Ali. Minha Terra Prometida. São Paulo: Publifolha. 2018.






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