A Escola Zahiri de Jurisprudência

A ESCOLA ZAHIRI DE JURISPRUDÊNCIA

Por R. "Hussein" Silva


Aqui já vimos textos falando das 4 escolas de jurisprudência mais conhecidas, a Hanafi (majoritária nos países centro-asiáticos e na Síria, Jordânia, Iraque, Palestina e Líbano), a Maliki (majoritária no norte da África), a Shafi (majoritária no sul da península Arábica), e a Hanbali (majoritária na península Arábica). Porém existe mais uma escola bem pequena, que é adotada por poucos muçulmanos, por isso não é majoritária em nenhum lugar, que é a escola Zahiri.

As quatro escolas majoritárias divergem entre si basicamente por quanto da razão e da mente da pessoa deve ser usado para interpretar a lei islâmica, sendo que a Hanafi é a que mais aceita e a Hanbali é a que menos aceita, e a Zahiri vai entrar como sendo a que não aceita, ou seja, os zahiris serão aqueles que aderem a total literalidade na interpretação do Alcorão e da Sunnah do Profeta (saws). É interessante notarmos aqui que zahir é uma palavra que será atribuída a escola de duas formas, diferente das 4 anteriores que apenas adotam o nome de seus fundadores, como Ahmed ibn Hanbal, que funda a escola Hanbali, e Malik ibn Annás que funda a escola Malik. O fundador da escola Zahiri será Dawud al-Zahiri, mas a escola não leva apenas seu nome, a palavra zahir em árabe significa “externo, aparente”, dando idéia da literalidade citada.


Dawud al-Zahiri e a Fundação da Escola


Não se sabe muito a respeito do ano e local de nascimento de Dawud al-Zahiri, como seu pai era árabe e sua mãe era persa, acredita-se que ele tenha nascido em Isfahan ou em Kufa, por volta do ano 813. Porém pouco depois ele se muda para Bagdá, a capital do Califado Abássida na época, onde vai estudar com os renomados sábios de sua época, principalmente com Ahmed ibn Hanbal, que na época tinha por volta de 45 anos de idade. Além de criador da escola hanbali de jurisprudência, ibn Hanbal também iniciou a escola athari de crença [1], e ambas batiam de frente com as crenças do pai de Dawud, Ali, que era hanafi.

Viajando pela Pérsia ele ainda pode estudar em Nishapur com Ishaq ibn Rahwayh (777–853), um dos grandes conhecedores de hadiths da época, homem que foi considerado o “sábio com mais conhecimento da história do islam” por ibn al-Jawzi (1116–1201), um dos mais importantes historiadores da época [2]. Inicialmente al-Zahiri foi um seguidor da escola Shafi de jurisprudência, porém ibn Rahwayh era um profundo crítico da metodologia de Muhammad as-Shafi, o criador da escola shafi, tanto que costumava debater com alunos que seguia essa escola na presença de ibn Hanbal, que estudou com as-Shafi, que dava sempre a vitória para ibn Rahwayh nos debates. Assim, sob a influência de seu mestre ele foi aos poucos mudando seu pensamento [3].

Após concluir seus estudos ele voltou para Bagdá e começou a ensinar suas próprias lições. Após ir conseguindo cada vez mais alunos sua reputação começa a se espalhar por Bagdá e redondezas, e como suas visões divergiam dos demais sábios do mundo islâmico da época, os mesmos começaram a emitir decretos religiosos contra os ensinos de Dawud. Dentre os alunos de al-Zahiri destacam-se o filho de ibn Hanbal, Abdullah; o historiador persa Muhammad al-Tabari; e Abd Allah al-Qaysi, que introduziu a escola zahiri em al-Andalus. Dawud al-Zahiri morreu no mês de Ramadan do ano 270 d.H (884 d.C).


A Escola Zahiri em al-Andalus e Atualmente


Apesar de hoje a escola Zahiri não ser majoritária em nenhum lugar do mundo, entre por volta do ano 900 e do ano 1300, ela foi muito popular em al-Andalus, a península Ibérica muçulmana. Ela teve seu auge durante o Califado Almohada (1121–1269), quando era também popular na região do atual Marrocos, que integrava o reino com al-Andalus. Com a tomada do Marrocos pelos marinidas na década de 1240 (entre 1248 e 1269 os almohadas só controlavam a cidade de Marrakesh e seus arredores) e a formação do Emirado de Granada em 1230, os seguidores da escola na região começaram a diminuir, até desaparecer cerca de um século depois, pois a escola não era mais apoiada pelos governantes de sua época.

Em meados do século 18 surgiu no norte da Índia um movimento chamado “Ahl al-Hadith” (Povo da Tradição), que começou a reviver a escola Zahiri entre seus seguidores [4]. Existem também hoje várias pessoas que dizem seguir a escola Zahiri, mas não é muita gente, mas não tem como se calcular quantos seguem-a no mundo. Muitos tendem a acreditar que os salafis e wahabis são seguidores dessa escola, porém ambos os movimentos nascem de pessoas que seguiam o fiqh hanbali, e a imensa maioria dos salafis atuais seguem a escola hanbali.


Ensinamentos da Escola


O princípio mais básico dessa escola já foi citado, eles aderem a idéia da interpretação literal do Alcorão e dos hadiths, ou seja, vêem as escrituras em seu sentido mais externo (zahir). Com isso eles renegam o qiyas (racionalismo analógico, processo de analogia dedutiva) dizendo que esse é herético, e todas as conclusões da jurisprudência devem ser tiradas apenas da lei islâmica. Lógico, para os zahiris ainda há a inferência religiosa, ou seja, eles cruzam os vários textos para chegar a uma conclusão, porém apenas em seu sentido literal e textos das tradições islâmicas, nada de fora.

Interessantemente os zahiris consideram a Virgem Maria, mãe de Jesus (as), como uma profeta, diferente dos demais muçulmanos das demais escolas. As visões zahiris são muito criticadas pelos sábios das outras 4 escolas, muito por essa interpretação literal das escrituras sagradas. Mas mesmo criticados a escola tem tido um reavivamento na era moderna, e assim continua até os dias atuais.


NOTAS:

[1] http://estudosislamicos.blogspot.com/2019/02/a-escola-de-teologia-athari.html

[2] IBN AL-JAWZI, Abu Faraj. Al-Muntazam fi Tarikh al-Umam, vol.12, pág. 236.

[3] GOLDZIHER, Ignác. The Zahiris: Their Doctrine and Their History, Brill Classics in Islam Volume 3. Brill: Boston, 2008. Pág. 27.

[4] NAQVI, A. Q. The Salafis (History of the Ahle Hadees Movement in India). Batla House: Nova Delhi, 2001. Pág. 93 a 98.


ARTIGOS SOBRE AS DEMAIS QUATRO ESCOLAS


Hanafi – http://estudosislamicos.blogspot.com/2018/07/a-vida-do-imam-abu-hanifa.html

Maliki – http://estudosislamicos.blogspot.com/2018/07/imam-malik-o-sabio-de-medina.html

Shafi – http://estudosislamicos.blogspot.com/2018/07/imam-shafii-o-pai-do-usul-al-fiqh.html

Hanbali – http://estudosislamicos.blogspot.com/2018/08/imam-ahmad-ibn-hanbal.html



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