QUEM SÃO OS TABLIGHI?

 Por R. Hussein Silva

Essa pergunta veio para mim essa semana, e eu dei no momento uma resposta bem superficial sobre o assunto, por isso hoje resolvi falar sobre esse movimento por aqui. Antes de qualquer coisa, devemos entender que vou explicar sobre o movimento, e deixarei com o leitor o julgamento sobre os mesmos, se estão certos ou não em seu caminho.

O nome oficial do movimento é Tablighi Jamaat, significando literalmente “Reunião dos Pregadores”, e surgiu na Índia no ano de 1926, mais precisamente na cidade de Mewat, no estado do Rajastão, um estado com grande influência persa [1]. Porém antes de falarmos diretamente sobre o movimento, vamos entender como estava a Índia naquele momento histórico, e o contexto em volta da formação do movimento.


A Índia Colonial


Os primeiros britânicos a chegarem na Índia (aqui o nome Índia se refere não apenas a moderna Índia, mas a todo o subcontinente indiano) eram os membros da Companhia das Índias Orientais (East Indian Company), e o fizeram no início do século XVIII. Na época a Índia era dividida em diversos pequenos impérios hindus no sul, sendo o mais forte deles o Império Maratha [2], e um poderoso império muçulmano ao norte, o Império Mughal [3] estabelecido em 1526. Rapidamente os britânicos controlaram as rotas comerciais em Bengala, região a leste da Índia, no ano de 1765. Os historiadores consideram o ano de 1848 como o começo da colonização da Índia, quando o Lorde Dalhousie (1812–1860) assume como governador da Companhia das Índias Orientais e começa a conquistar territórios [4].

A decadência financeira dos impérios indianos e o poderio militar inglês e sua poderosa diplomacia vão fazendo com que aos poucos os impérios indianos vão caindo um a um nas mãos dos britânicos. Em 1857 os mughals dão seu último suspiro ao tentar uma revolta contra o domínio britânico, porém saem derrotados pondo fim a seu império e início da colonização britânica em toda a Índia.

Apesar da colonização, o período que vai de 1860 até o início da I Guerra Mundial em 1914 é a época que mais estudiosos ingleses vão para a Índia pesquisar e escrever sobre ela, assim uma gama de livros de história, geografia, linguagem e outros temas sobre a Índia chegam ao ocidente e diversos autores ganham fama fazendo isso. Mas esse foi o lado bom da colonização inglesa sobre a cultura indiana, porém houve um lado bem ruim, e é justamente no que tange a religião.

Houve uma grande imigração de ingleses para a Índia, com isso a comunidade cristã protestante, e não apenas, diversos missionários cristãos foram enviados para ali. Missionários de denominações cristãs como luteranos e metodistas foram para a Índia britânica, e por exemplo os missionários luteranos chegaram a Calcutá em 1836 e no ano de 1880 havia mais de 31.200 cristãos luteranos espalhados em 1.052 aldeias [5]. No subcontinente indiano os ingleses pensavam que era possível converter muçulmanos, hindus e sikhs ao cristianismo, e claramente essas três religiões foram afetadas pelo cristianismo [6]. Um dos principais movimentos a vir com esses missionários foi um que havia sido iniciado recentemente chamado “Sola Scriptura” (Apenas a Escritura, em latim) que pregava que apenas a Bíblia era fonte de autoridade e qualquer um que a lesse a podia a interpretar desde que fizesse sem auxilio de mais nada. A partir desse movimento sobre o islam foram criados por exemplo a seita dos curanistas, uma seita que nega a autoridade das tradições proféticas e clamam que apenas o Alcorão é fonte de autoridade. O islamismo na Índia, devido a sua influência persa sempre foi mais sufi (místico) e com isso mais aberto a influências locais. Dentro da história islâmica sufismo e xiismo sempre foram seitas mais periféricas e populares, raramente participavam de governos, e por estarem mais ligadas ao povão e afastadas dos centros políticos e religiosos acabavam por se mesclar mais facilmente a outras crenças populares [7].

E todo esse movimento missionário acabaria também influenciando o islamismo, e fora isso que o Sheik [líder] sufi Muhammad Ilyas Kandhlawi (1884 – 1944) estava pensando quando criou seu movimento Tablighi Jamaat em 1926, ano no qual a Índia ainda estava sob dominação britânica, dominação essa que só acabaria em 1947.


O Movimento Tablighi Jamaat


O Sheik Kandhlawi nasceu na vila de Kandhla, no atual estado de Uttar Pradesh (na época o estado ficava dentro das chamadas Províncias Noroeste) e desde pequeno começou a memorizar o Alcorão numa escola religiosa local. Em 1908, aos 23 anos de idade, ele entrou na Darul Uloom Deoband, a maior universidade muçulmana da Índia e lar de um importante outro movimento criado na Índia, os deobandis. Foi ali que ele aprendeu e adotou a escola Maturidi de crença [8], na qual seria uma das bases de seu movimento. Além dsta escola de crença eles também adotaram a escola Hanafi de jurisprudência, e junto com o sufismo fizeram as outras bases do movimento.

Na década de 1920 o Sheik Kandhlawi, após formado, foi para a cidade de Mewat, lar da maioria dos muçulmanos na Índia e vendo o sucesso dos missionários cristãos resolveu criar um movimento missionário muçulmano, e chamou esse de Tahreek e-Imam (Movimento da Fé), porém o povo acabou chamando seus seguidores de Tablighis (pregadores ou missionários) e começou a mandar seus missionários para as cidades e vilas vizinhas para espalhar o islam. O Sheik Kandhlawi se colocou como amir (príncipe) do grupo, mas aqui não pense como um governante, mas sim como o presidente e líder de um movimento [9]. Logo o movimento começou a crescer, e em meados da década de 1930 já atingira outros países em volta, tanto que em Novembro de 1941 já realizaram sua primeira Conferência Mundial [10]. Em 1947 o grupo começa a chegar no ocidente quando chega a África do Sul, e em 1971 eles atingem finalmente os EUA, fincando bases tanto ali como na Europa. Seus missionários já passaram por vários países ocidentais, inclusive o Brasil, e costumam visitar mesquitas o ano todo, seguindo os passos dos antigos sheiks peregrinos, visitando uma mesquita diferente por semana no mundo todo.


NOTAS E REFERÊNCIAS:


[1] Para mais informações sobre o Rajastão, ver: ELLIOT, Sir. H. M. History of India, By Its Owns Historians. Volume 5. Londres: Ludgate Hill, 1873. Capítulo 34.

[2] Mais informações sobre esse império podem ser vistas em: CHAURASIA, R.S. History of the Marathas. Nova Delhi: Atlantic, 2004.

[3] Para mais informações sobre esse império ver: RICHARDS, John F. The Mughal Empire. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

[4] ASHER, C. B.; TALBOT, C. India Before Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.

[5] KANJAMALA, Augustine. The Future of Christian Mission in India. Wipf and Stock Publishers, 2014. Pág. 117 a 119.

[6] Para mais detalhes da colonização da Índia, veja: JUDD, Denis. The Lion and the Tiger: The Rise and Fall of the British Raj, 1600–1947. Oxford: Oxford University Press, 2004.

[7] HOURANI, Albert. História dos Povos Árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

[8] Já escrevemos sobre esta escola aqui no blog: https://estudosislamicos.blogspot.com/2019/03/a-escola-de-teologia-maturidi.html

[9] Para ver mais sobre a vida do Sheik Kandhlawi veja: AZIMABADI, Badr. Great Personalities in Islam. Adam Publishers & Distributors, 2004.

[10] MARTY, Martin E.; APPLEBY, R. Scott. Fundamentalisms Observed. Chicago: University of Chicago Press, 1994. Pág. 457–524.






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