HISTÓRIA DOS XIITAS - PARTE 2

 Por: R. “Hussein”


Após a morte de Uthman em 656 até a época de Jafar as-Sadeq (702 – 765), considerado o sexto Imam dos xiitas dos doze, que é também uma época que se mistura a queda do Califado Omíada, pouco desenvolvimento o xiismo tem. As seitas xiitas eram todas políticas, tanto que é nessa época que o termo shiia (partidário) mais faz sentido e mais ganha seu significado. Isso porque os xiitas dessa época se preocupavam mais com estabelecer revoltas contra os califas do que necessariamente com crenças, apesar de que é no final do califado de Ali em 661 que começa a se cunhar a crença no raja'a, o retorno de um Imam como sendo o Mahdi (uma espécie de Messias) prometido por Muhammad, que é uma crença tipicamente xiita.

Após a morte de Uthman, Ibn Sabbah continuou a pregar, mesmo com seu plano já estabelecido, que era Ali no poder, ele pregava principalmente duas crenças básicas. Vejamos o que ele disse em suas próprias palavras. Em seu livro sobre o Imam Ali (ra), As-Sallabi reproduz duas falas de Ibn Sabbah, a primeira: “É estranho que as pessoas acreditem que Jesus está voltando, mas eles não aceitam que Muhammad está voltando, quando Allah diz: Em verdade, aquele que deu a você [ó Muhammad] o Alcorão [isto é, ordenou que você agir de acordo com suas leis e pregá-lo aos outros] certamente o levará de volta a Ma'dd [lugar de retorno! (Alcorão 28: 85) e Muhammad merece mais voltar do que Jesus” [1]. A segunda citação é: “Havia mil profetas, e cada profeta tinha um herdeiro legitimamente nomeado, e Ali era o herdeiro legitimamente nomeado de Muhammad. Muhammad era o selo dos profetas, e Ali era o selo dos herdeiros.” [2].

Essas duas citações nos deixa claro que Ibn Sabbah pregava o retorno de uma pessoa para comandar os muçulmanos, enquanto Ali vivia ele pregou o retorno de Muhammad, e após a morte de Ali ele ou seus seguidores, pois não sabemos se ele já estava morto, começa a pregar o retorno de Ali. A outra crença que depois se desenvolverá muito mais é a idéia de Ali como “herdeiro” de Muhammad. Ibn Sabbah também é entendido como o primeiro dos Ghulat (exagerados) e mais adiante entenderemos o por que. Mas mesmo apesar dessas crenças, a maioria dos xiitas tinha muito mais preocupações políticas do que em crenças, notaremos isso com uma das primeiras seitas a surgir que foi os xiitas zaiditas, que sequer acreditavam no retorno de um líder.

Durante a vida e califado de Ali ibn Abu Tallib (ra) há várias narrações mostrando que Ali ia contra as pregações de Ibn Sabbah [3], porém ele e seus seguidores se reuniam muito na surdina, e isso fazia com que muitos não soubessem o que acontecia e a mensagem continuava a se espalhar. Abd al-Qahir al-Jurjani (1009 – 1081), um sábio arshari persa disse que Ibn Sabbah foi o primeiro a atribuir divindade a Ali (ra) quando chamou Ali (ra) de “Senhor dos Mundos” e outros epítetos parecidos [4]. Atribuir divindade a Ali é uma forma de ghuluw (exagero) e nem todo xiita faz isso [5]. Quando o xiismo começou a aparecer haviam 3 tipos de xiitas, aqueles que viam seus Imam's apenas como lideranças da comunidade, mas eram falhos como qualquer pessoa; os chamados ortodoxos, que eram aqueles que atribuíam inabilidade aos seus Imam's porém não diziam que eram apenas humanos, mas não diziam que eram Deus; e aqueles que afirmavam que Ali ou Muhammad ou algum ou todos os Imam's eram Deus, esses eram os exagerados. A maioria dos historiadores dizem que os primeiros exagerados foi um grupo chamado Dhammiyah, que era sucessor direto dos sabbahiyah, porém como os sunitas dizem que atribuir inabilidade a uma pessoa já é exagero, o próprio grupo de Ibn Sabbah, para muitos, já era dos exagerados.

Algumas fontes falam que Ali (ra) mandou queimar aqueles que diziam que ele era divino ou aqueles que estavam com Ibn Sabbah e o próprio [6], porém grupos xiitas dizem que “queimar” foi apenas uma forma de fazer daquele grupo um grupo escolhido, para que pudessem continuar sua pregação de forma secreta [7]. Junto a essas crenças que começavam a ganhar forma, mas que ainda não tinha atingido a todos os xiitas, apenas a alguns grupos que atuavam de forma secreta, começava a surgir algo que ficaria bastante conhecido no futuro: Já que os xiitas acreditavam que Ali era o selo e herdeiro de Muhammad, eles começaram a ofender Abu Bakr e Umar por terem “usurpado” esse direito de Ali, e seus nomes começaram a ser citados de forma pejorativa nas mesquitas.

Como a situação política em Medina estava muito complicada, Ali mudou sua capital para a cidade iraquiana de Kufa, dividindo o mundo muçulmano em dois, e todos os seus aliados (os xiitas), sejam eles ghulat's ou não, apenas pessoas que apoiavam seu califado, foram junto com ele para a cidade. Após seu assassinato, seus seguidores começam a planejar formas de resistência contra o califado, e isso logicamente vai reforçar a posição xiita de ser contra o califado, mesmo aqueles apoiadores de Ali (que surgiram após o início de seu califado e) que nunca se envolveram com Ibn Sabbah, começam a ter ódio dos califas, e é desse grupo que surgirá os xiitas ortodoxos unindo alguns pensamentos menos exagerados de Ibn Sabbah com a crença do apoio a Ali.

O primeiro grupo xiita ortodoxo a surgir serão os tawabun (os arrependidos) [8]. Após a morte de Ali (ra) e seu sucessor apontado, seu filho Hassan (ra), os xiitas de Kufa que haviam apoiado seu pai e irmão, começam a mandar cartas para o filho mais jovem de Ali (ra) chamado Hussein (ra) a fim de que esse viesse a Kufa e os liderasse numa revolta contra o califa da época, Yazid I (g. 680 – 683), e ele aceitou, porém quando ele já estava a caminho, ele mandou um dos seus para Kufah para ver a situação, porém aqueles que enviaram as cartas além de não ajudarem esse homem enviado por Hussein por medo da autoridade dos homens do califa, ainda o entregou para o governador, que o matou, sem Hussein nada saber. Hussein (ra) acabou abandonado no meio do deserto com poucos homens e cercado pelo exército do califa, que ali o matou.

Os homens de Kufa arrependidos (por isso tawabun) do que fizeram começam a pregar a vingança pelo sangue de Hussein. Seu líder era um homem chamado Suleyman bin Surad (585 – 681) que havia lutado ao lado de Ali na Batalha de Siffin e depois apoiado seu filho Hassan, mas tinha medo dos soldados do califa em Kufa, por isso nada fez contra eles. Para os tawabun apenas seu martírio podia apagar o pecado por terem abandonado Hussein. O ápice de sua revolta foi a batalha de Ayn al-Warda em 685, que não teve resultados tão favoráveis. A maioria dos tawabun que sobreviveram a essa batalha se juntariam ao movimento de Mukhtar al-Thaqafi (622 – 687), os os Kaysanidas, movimento esse que daria origem ao Califado Abássida.



(Na próxima postagem exploraremos os kaysanidas e os primeiros xiitas ghulat).


Referencial Bibliográfico e Notas


[1] Citado de Tareek e-Tabari, vol. 15 [em inglês] no livro: AS-SALLABI, Ali Muhammad. Ali Ibn Abi Tallib: Volume II. Riade: Darussalam. 2010. Pág. 32.

[2] Idem 1.

[3] AS-SALLABI, Ali Muhammad. Ali Ibn Abi Tallib: Volume II. Riade: Darussalam. 2010. Pág. 320 – 321.

[4] JURJANI, A. Q. al-. Al-Jummal. Damasco. 1972.

[5] MOOSA, Matti. Extremist Shiites: The Ghulat Sects. Siracusa: Syracuse Universite Press. 1988. Pág. 256.

[6] Idem 3, pág. 321.

[7] Idem 5, pág. 342 – 345.

[8] Todo o relato a seguir será baseado em: KHOURY, Fuad El-. As Revoluções Xiitas no Islâo (660 – 750). São Paulo: Marco Zero, 1978. Capítulo 3.

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