O SURGIMENTO DO IMPÉRIO OTOMANO - 1

 Por: Rafael "Hussein" Silva

[Em virtude do sucesso das séries Dirilis Ertugrul (2014 - 2018) e Kurulus Osman (2019), trago a vocês partes do primeiro primeiro capítulo de meu futuro livro sobre o Império Otomano, contando a história por trás de ambas as séries].

Introdução

O Império Otomano foi talvez o que mais tempo pertenceu a uma única família, e que teve um final bem típico ao que vinha acontecendo na Europa com o nacionalismo dentro dos demais países. Porém como tudo começou? Quem foram os pioneiros desse império? Apesar do início do império estar envolto em muitas lendas, entenderemos agora como foi o início do mesmo por volta de 1299, ou seja, retornaremos a Baixa Idade Média (1000 – 1453), um período marcado por um amplo desenvolvimento em sua época, depois passaremos pelo início da Idade Moderna em 1453 e iremos até a morte de Mehmed II, o Conquistador, em maio de 1481, quando começa o apogeu do Império, tema da próxima parte do livro.

Entender o início do Império Otomano é entender o início da Idade Moderna, e a formação do nosso mundo como está hoje pois foi o fechamento dos mares e início das invasões turcas aos reinos católicos nos séculos XVI e XVII que levaram ao descobrimento da América, foi um dos motivos da Reforma Protestante, além de muitos outros pormenores na Europa.

O Mundo nos Séculos XII e XIII

Na introdução de seu livro “As Damas do Século XII”, o historiador francês Georges Duby, nos mostra um mundo de mudanças na sociedade feudal, nas estruturas de poder, e até mesmo na forma de se produzir os bens de consumo [1]. De fato, o século XII foi marcado por profundas mudanças, na Europa, onde o poder dos francos se fragmentava, enquanto na Península Ibérica os estados de Portugal, Leão, Castela e Aragão ficavam cada vez mais fortes inflingindo derrotas aos muçulmanos nas Guerras de Reconquista, até a maior delas em Navas de Tolosa em 1212 que reduziu os territórios árabes andaluzes para Granada e seus arredores. O grande poder nessa Europa Ocidental sem dúvida era o Sacro Império Romano-Germânico, principalmente sobre o governo de Frederico Barbarossa (1122 – 1190) que governou o império entre 1155 e 1190, porém a Hungria e os Rus de Kieve também figuravam como estados fortes.

No Oriente porém, a situação não era tão boa. Apesar do Califado Abássida ainda ter seu nome figurando na história, o poder dos árabes decaia muito, pois nesse mesmo califado, do ano de 945 a 1029 os persas controlaram o califa [2] e já na parte ocidental surgira a Dinastia Zengida, turca, para fazer frente aos abássidas. Apesar de todos esses serem muçulmanos, eles brigavam entre si, e os turcos começavam a tomar o poder que por mais de 400 anos foi dos árabes. Para piorar a situação dos árabes, no ano de 1171 caiu o Califado Fatimída (que surgira em 909) nas mãos de um curdo que estava a serviço dos Zengidas chamado Salah al-Din Ayyub (1137 – 1193), em português chamado pelo nome de Saladino, que aproveitou a oportunidade e fundou naquele local e ano sua própria dinastia, a Ayubida, que duraria até 1260. Assim os abássidas, o último estado árabe forte, estava encurralado entre dois estados turcos fortes, os zengidas e os seljúcidas (que falaremos em seguida), porém a situação ficaria crítica a partir de 1207 com o surgimento de um novo inimigo, os mongóis e seu líder, Gengis Khan (1162 – 1227). Porém antes de falarmos sobre a ameaça mongól, vamos descrever um pouco sobre a história dos povos turcos e sua conversão ao islamismo.

Os Turcos

Não se sabe exatamente quando surgiram os turcos, sendo que na Idade dos Metais (c. 3300 a.C a 1000 a.C) já existiam tribos nômades que habitavam as estepes na região onde hoje é o sudeste da Rússia, leste do Casaquistão e regiões circunvizinhas, principalmente na região das Montanhas Altai, chamada de “berço dos turcos” pelos estudiosos. As tribos que viviam ali são chamadas pelos historiadores de “proto turcas” (ou turcas iniciais), sendo a primeira a ser citada a tribo xiongnu, registrada em livros da dinastia chinesa Han, que governou a China de 206 a.C a 220 [3]. Por ser um povo nômade, como já dito, esses proto turcos migravam muito, em busca de terras mais férteis. No século IV várias dessas tribos se uniram aos hunos, com a intenção de buscar novas terras, e com isso acabaram por ajudar os mesmos atacar Roma [4]. O primeiro escrito usando a palavra “turco” para se referir a um povo como status político vem de escritos chineses do século VI, escrito sobre a forma “tujue”, isso leva os historiadores a creem que os turcos são tribos de cultura e línguas semelhantes que surgem do colapso do Império Huno de Átila. Como os hunos eram uma confederação de diversas tribos, dentre elas as proto turcas, quando a confederação se desfaz, aquelas tribos que haviam se unido a esses proto turcos, e surgimento de novas tribos, essas dão orígem aos turcos.

Dentre as tribos turcas dos séculos VI a VIII se destacavam principalmente os carlucos, uigures, quirguizes, oguzes e turcomenos. Cada uma dessas tribos buscava dar apoio a líderes de outras confederações que se formavam, como os cazares, cumanos e caracânidas, em troca de terras e lugares para migrar e se estabelecer. Dessas tribos, a que ganhou mais destaque foram os oguzes, pois foi o primeiro povo a criar uma confederação própria e autônoma.

A Confederação Oguz (750 – 1055)

A palavra turca “oghuz” significa “tribo” e ela é uma variação da palavra que os bizântinos do século X usavam para se referir aos turcos, “uzes” ou “ouzois”, por isso acredita-se que os oguzes iniciais eram várias tribos menores unidas por idioma, religião, cultura e objetivos. Quando os turcos começam a se tornarem muçulmanos no século X, esse termo vai sendo aos poucos substituido pelo termo “turcomanos” pelos próprios oguzes para se referirem a eles próprios [5].

Em meados do século VIII várias dessas tribos oguzes se uniram a fim de enfrentar seus vizinhos, porém eles também buscavam aliados fortes para essa empreitada, foi quando vieram os primeiros contatos com o Califado Abássida, e os turcos acabaram cedendo assim vários de seus homens ao califa e assim os turcos tiveram seu primeiro contato com os muçulmanos, e começaram aos poucos, a abraçar a nova religião, iniciada por Muhammad cerca de 200 anos antes.

No final do século X, quando praticamente todos os turcos eram muçulmanos, os oguzes já dominavam o cenário político, como mencionado acima, controlando incluso o próprio califa. Isso levou um poderoso comandante da tribo qiniq dos oguzes chamado Tughril Beg (990 – 1063) a se declarar independente dos abássidas em 1037 [6], fundando assim o Império Seljúcida. Com o tempo os demais oguzes começam a se juntar aos seljúcidas e a confederação é anexada ao império em 1055.

[Na próxima parte falaremos sobre o Império Seljúcida].

BIBLIOGRAFIA

[1] DUBY, Georges. As Damas do Século XII. São Paulo: Compania das Letras. 2009. 276 páginas.

[2] https://iranologie.com/the-history-page/the-buyid-dynasty

[3] https://www.historyfiles.co.uk/FeaturesFarEast/TurkicIntro.htm

[4] RUBIO, Ana Martos. Breve História de Atila y los Hunos. Madri: Ediciones Nowtilus. 2011.

[5] KAZHDAN, Alexander. The Oxford Dictionary of Byzantium. Oxford: Oxford University Press. 1991.

[6] SAVORY, R. M. Introduction to Islamic Civilization. Cambridge: Cambridge University Press. 1976.