O FIM DO IMPÉRIO OTOMANO - PARTE III
Por: R. Hussein Silva
Quando
Abdulaziz
morre em 30 de Maio de 1876, é colocado em seu lugar o Sultão
Murad V (1840 – 1904), sobrinho do anterior, filho de Abdulmejid I.
O governo de Murad vai durar apenas 96 dias, e pouco vai ocorrer
durante seu período de governo. Murad era extremamente
influênciado pela cultura francesa, e por isso um grande
liberal e foi incapaz de lidar com as pessoas do grupo dos Jovens
Otomanos que pediam por uma constituição, que seria
redigida pouco tempo após o fim de seu reinado. O grande marco
do reinado de Murad V foi a liberdade dada aos maçons para
atuarem na Turquia e assim construírem sua primeira loja
maçonica no império. Murad V é deposto do trono
em 31 de agosto de 1876 devido a uma doença mental.
Assim
o trono passou para seu irmão, Abdul Hamid II (1842 – 1918),
o último sultão com poderes absolutos no império,
e vamos entender o por que. A maioria do povo otomano acreditava que
o novo sultão apoiaria os movimentos mais liberais, algo que
de fato aconteceu no início de seu reinado, quando em novembro
de 1876 junto aos Jovens Otomanos, ele começou a trabalhar na
idealização de uma constituição para o
império, e em 26 de dezembro Abdul Hamid promulgou a
constituição como forma de apaziguar os ânimos
devidos as revoltas que começaram no ano anterior nas
províncias da Bósnia, Sérvia, Montenegro e
Bulgária. Assim começou o que ficaria conhecido na
história otomana como Primeira Era Constitucional, que durou
de 1876 a 14 de fevereiro de 1878.
Essa
constituição aumentava os poderes do parlamento,
conhecido nessa época como Assembléia Geral do Império
Otomano, abrigando parlamentares de todas as províncias e
trabalhando em conjunto com a Cãmara dos Deputados, sendo essa
com 115 deputados eleitos, e na primeira eleição da
mesma, 69 deputados muçulmanos foram eleitos, sobrando apenas
46 cadeiras para as outras religiões e etnias. Apesar de não
aparentar algo muito grande devido a maioria muçulmana, esse
aumento de poder do parlamento mostrava o total caráter de
crescimento de poder dos Jovens Otomanos bem como do liberalismo.
Apesar
da tentativa de apaziguar os ânimos com a promulgação
da constituição, a situação política
estava tão caótica que o mesmo não conseguiu
chegar aos objetivos almejados, devido claramente a ingerencia
extrangeira, já citada aqui. Um ano antes da subida ao trono
de Abdul Hamid, como forma de conter as revoltas na Bulgária,
o imperador otomano enviou diversas tropas ao local, e acabou
massacrando cerca de 30 mil búlgaros em junho de 1876 como
forma de conter a revolta, e isso chamou a atenção
internacional. As notícias corriam muito rápido devido
a atuação de missionários cristãos dentro
do império, como o caso de George Wood (1814 – 1901) que
atuava junto a armênios e búlgaros cristãos. A
mais forte reação contra essas atrocidades cometidas na
Bulgária veio por parte da Rússia que naquele ano
começou a enviar tropas para a região. Com a
interferência na região, a Bósnia acabou por
ficar sob a tutela do Império Austro-Hungaro, posição
firmada em dezembro de 1876, que também deu a Bulgária
certa autonomia, durante a Conferência de Constantinopla. Porém
em abril do ano seguinte a Rússia trairia os acordos firmados
e declarava guerra ao Império Otomano.
Assim
a Rússia enviou cerca de 300 mil homens para a Romênia
que passaram por ali com tranquilidade e marcharam pelos balcãs.
A guerra seguiu desastrosa para ambos os lados, com perdas e ganhos
tanto para turcos como para os russos, sendo a batalha de Plevna, na
atual Bulgária, uma das mais acirradas da guerra, e que serviu
para elevar o status de Gazi Osman Pashá (1832 – 1900) como
herói de guerra e grande defensor de Plevna. Mas com algumas
vitórias conseguidas, a Rússia tentava mover suas
tropas em direção a Constantinopla, mesmo com diversas
baixas e dificuldades, até que os britânicos interveram
em janeiro de 1878, ficando ao lado dos otomanos e forçando a
Rússia a assinar uma trégua. Com a mesma o Império
Otomano dava a independência para a Bósnia, Sérvia
e Montenegro, e a autonimia para a Bulgária, ou seja, além
dos desastres sociais, econômicos e políticos naquele
momento, o Império Otomano perdeu quase todos os seus
territórios europeus bem como sua influência no Egito
que, naquele momento, estava sob influência britânica, e
a partir de 1882 ficaria totalmente sob o mandato britânico.
Como
já explicitado, em 14 de fevereiro de 1878 o Sultão
Abdul Hamid II suspendeu a constituição, voltando a ter
poderes absolutos, e nesse mesmo ano, devido aos favores prestados na
guerra, os otomanos se viram obrigados a ceder o Chipre para a
Inglaterra, o que fez com que a influência otomana diminuisse
ainda mais. Em 1885 a Bulgária se uniu a Rumélia, e foi
vista como algo extremamente prejudicial para o Império, e
pouco tempo depois a ilha de Creta ganhou privilégios e acabou
se unindo a Grécia, mas um problema maior estava por
iniciar-se.
A
Questão Armena
Antes
de começar a escrever sobre os armenos, devemos sempre lembrar
que, nada justifica um massacre, tal como se deu contra esse povo na
época da I Grande Guerra, mas como a idéia aqui é
descrever e entender os fatos que levaram a queda do Império
Otomano, entender a questão de como os otomanos se davam com
as minorias em seu território se torna vital para o
compreendimento do assunto.
Como
já descrevemos aqui, desde a metade do século XIX,
vários dos povos que viviam dentro do Império, bem como
vários dos que estavam fora começaram a compor a idéia
dos Estados-Nacionais, ou seja, povos que compartilhavam de uma mesma
língua, etnia, cultura e religião, se alinhavam dentro
de um determinado território para tentar formar seu reino ou
país, era isso que acontecia aos búlgaros, gregos,
romenos, árabes e outros, e não era diferente com os
armenos, e isso ganhara força após as reformas
Tanzimat, pois como vimos a liberdade religiosa e aumento da força
política com o parlamento, abertura de escolas e abandono da
jiziyah fez com que as minorias religiosas pensassem sempre em sua
independência.
Outro
fato interessante que cabe a menção aqui é que
os otomanos também buscavam isso, nota-se claramente que os
mesmos buscavam tornar seu exército cada vez mais nacional,
colocando os turcos muçulmanos acima dos outros, mesmo que em
momentos de dificuldades os turcos recrutassem pessoas de outras
etnias, isso mostrava que em todos os lados havia o sentimento de
nacionalismo. Só que os armenos tinham uma coisa que os
destacavam das demais comunidades cristãs, religiosamente eles
eram monofisitas, diferente dos demais cristãos ortodoxos que
compunham o império, ou seja, eles não aceitavam
qualquer outra autoridade eclesiástica senão as suas
próprias, e como mantinham também uma língua
própria se tornavam um povo muito singular dentro do Império
Otomano.
Um
fato interessante a se colocar é que os sultões
otomanos não faziam vista ruim apenas para os cristãos,
muitas seitas islâmicas eram também olhadas com maus
olhos pelos líderes do estado, seitas árabes sunitas
mais ortodoxas eram vistas como tendencialmente rebeldes, bem como os
alauítas e druzos da região da Síria, e os
próprios turcos que seguiam a ordem sufista bektashi e a seita
dos alevistas, todas essas últimas quatro muito influênciadas
pelo xiismo e por isso podiam aceitar apoio vindo da Pérsia
para minar o império. Enfim, os otomanos tinham vários
inimigos, dentro de seu próprio estado que a qualquer momento
podia pegar em armas contra os mesmos, como a casa dos Saud já
faziam na região do Golfo desde 1824, quando fundaram o
Segundo Estado Saudita sob preceitos sunitas ortodoxos, contra o
sunismo mais sufi pregado pelos otomanos.
Assim,
desde cerca de 1870, as grandes potencias extrangeiras constestaram o
tratamento que esse estado otomano estava dando aos cristãos,
principalmente os armenos, e começaram a invocar o tratado de
1856, dizendo que se preciso interveriam militarmente no Império
Otomano para proteger os cristãos. Durante a Guerra de 1877-78
vários armenos lutaram contra os turcos do lado da Rússia,
que estava tentando intervir militarmente para ajudar os cristãos.
Após a guerra o Patriarca Armênio de Constantinopla,
Nerses II Varzhaptian (1874–1884), tentou deliberar com os russos
para que eles abandonassem o território turco somente após
reformas do sistema turco de trato aos cristãos, pois, alegava
ele, que muitos armenos estavam sendo destituídos de suas
terras e sendo obrigados a se converterem. Isso foi muito mal visto
pelos turcos pois acreditavam que o patriarca estava colaborando com
os extrangeiros e em junho de 1878, a Grã-Bretanha objetou à
Rússia se manter em território otomano e a forçou
a entrar em novas negociações modificado seu tratado e
fazendo com que todas as forças russas remanescentes nas
províncias fossem removidas. Nesse momento a minoria armena
ficou completamente mal vista pelos otomanos, eram tratados como
traidores, desleais ao governo e colaboradores dos extrangeiros.
O
Apoio Alemão
Assim,
com o final da guerra em 1878, os russos que eram aliados dos
inglêses ficaram o tempo todo tentando negociar com os
otomanos. Nesse momento os otomanos começam a se aproximar dos
alemães, até que em 21 de outubro de 1889 o Kaiser
Guilherme II (1859-1941) visita o império e estreita seus
laços com Abdul Hamid II e uma das formas desse estreitamento
de laços foi o treinamento que o exército alemão
deu aos otomanos, até o final da Grande Guerra em 1918 o
exército alemão influenciaria muito o exército
turco. Em 1899 os alemães conseguiram a concessão para
a construção da estrada de ferro Berlin-Bagdá e
em troca os turcos ajudaram os alemães a derrotarem os inglese
numa das mais ferozes batalha da Rebelião dos Boxers na China
em 1901.
Internamente
a crise crescia, o exército otomano se sentia humilhado devido
as derrotas nos Balcãs e as políticas vindas de Abdul
Hamid, e em 1908 quando as tropas turcas deixavam a região da
Salônica, se deu a Revolução dos Jovens Turcos,
que fez com que voltasse a constituição de 1876. Porém
mesmo com Abdul Hamid aceitando esse retorno, ele não
conseguiu se manter no poder, e os Jovens Turcos, que eram vários
daqueles militares humilhados, o fizeram se destituir do poder em 27
de abril de 1909. Seu irmão, Reshad Efendi foi proclamado
Sultão Mehmed V (1844-1918), porém esse era apenas um
fantoche nas mãos dos Jovens Turcos, liberais, que agora
mandavam no país.
Na
próxima e última parte falaremos sobre o império
na I Guerra Mundial e a dissolução do império.
Bibliografia
Uma História dos Povos
Árabes, por A. Hourani, 2006.
Decline
and Fall of Otoman Empire, por A. Palmer, 1997.
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