O FIM DO IMPÉRIO OTOMANO - PARTE II


Por: R. Hussein Silva

Os últimos anos de governo do reformador Mahmud II estavam cada vez mais complicados. Logo após implementar suas reformas, em 1826, o Império Otomano entrou em choque contra o Império Russo pela primeira vez no século XIX no ano de 1828, porém esse foi um duro golpe para os otomanos pois o exército ainda não estava formado e forçou o sultão a usar jovens recrutas indisciplinados contra os veteranos de guerra do Czar Nicolau I (1825 – 1855). A guerra terminou no ano seguinte com a assinatura do Tratado de Adrianópolis onde os turcos começaram a perder sua influência no Cáucaso. Ainda para piorar, o wali (governador) do Egito, Muhammad Ali, que era um vássalo do Império, começou a cobrar pela ajuda que seus soldados deram na guerra de independência grega, e em 1833 tomou partes da Arábia e Síria, mas foi derrotado em Nazib, dando fim a guerra. Mahmud II morreu naquele ano sem receber a notícia da vitória.

As Reformas Tanzimat de 1839

Com a morte do Sultão Mahmud II em 1839, seu filho Abdul Mejid I (1823 – 1861) se tornou o Sultão com apenas 16 anos de idade. Mas apesar de pouca idade, as reformas iniciadas no seu reinado foram ainda maiores do que as de seu pai.

Como já dito, nesse momento o Império Otomano queria comparar força com outros impérios europeus, principalmente os otomanos estavam horrorizados com as intervenções de outros impérios em seu território, mostrando dificuldades ao lidar com essas intervenções. No início do século XIX, ao ver o desenvolvimento de outros países europeus, o liberalismo, como doutrina política, começou a atingir a política otomana, e vários ministros começaram a se tornarem liberais. A junção de todo esse contexto levou o império a tomar novas medidas de reformas, tornando-o mais liberal, já que, perante a pouca idade do Sultão, muitos dos que realmente e mandavam no país eram esses políticos liberais, e também havia, naquele momento muito temor que os cristãos otomanos se voltassem contra o governo por se sentirem menosprezados pelo mesmo, então medidas precisavam ser tomadas pelo governo central. Logicamente não apenas medidas que mexessem na estrutura sócio-política, mas também incluso na própria infraestrutura do país, que estava muito atrasada se contada perante outros países europeus.

Assim sendo foi feita a Hatt-i Sharif (Proclamação) do Tanzimat (palavra que vem do árabe e significa 'organização') que se propunha justamente a isso, a organizar o império, mas essa reestruturação não seria radical, seria moderada, sendo feita aos poucos. Dentro disso, um dos políticos locais, muito influente na corte, Mustafa Resid Pashá, encabeçou e arquitetou o Edito de Gulhäne em 1839 onde fazia muçulmanos e cristãos iguais perante a lei do império, algo renovador pois não era assim até o momento, e isso claro, fez com que fosse abolida a jizzyah, um imposto pago pelos cristãos ao estado islâmico para a proteção deles. Logo após isso, em 23 de outubro de 1840 foi estabelecido um Ministério da Postagem, ao lado da Mesquita Yeni, que comandaria várias das reformas estruturais do governo. E ainda naquele ano, nos meses seguintes foi reorganizado os bancos do país e o sistema de finanças, seguindo o modelo francês, bem como também, ainda nesse ano foi criado um Código Civíl e Criminal, também seguindo o modelo francês. No ano seguinte, 1841, foi estabelecido o Meclis-i Maarif-i Umumiye, um protótipo de parlamento otomano, numa clara arrancada dos liberais no poder.

A reorganização do exército também continuou, estabelecendo uma nova forma de recrutamento e estabelecendo um prazo de serviço, sendo isso feito em 1843. Em 1844 finalmente foi adotado tanto uma bandeira otomana oficial bem como um hino nacional oficial, e em 1845 veio a criação do Conselho de Instrução pública, e em 1847 veio o Mekatib-i Umumiye Nezareti (que em 1857 se tornaria apenas Maarif Nezaret, ou seja 'Ministério da Educação'), ambos esses organizando o sistema de ensino otomano o aproximando do sistema francês. Nesse ano de 1847 também foi abolido o tráfico de escravos, e no ano seguinte o estabelecimento da primeira universidade moderna (Darülfünun) escolas e escolas para professores. Na década de 1850 foram criados vários novos ministérios, cortes judiciárias, escritórios e outros, em suma, o estado foi se burocratizando e ficando cada vez mais parecido aos estados europeus.

Você pode notar aqui algo claro que estava acontecendo, o Império Otomano estava deixando de ser apenas um reino, naquele sentido medieval, e assumindo um caráter de estado-nação no sentido moderno, tal como acontecia em várias outras localidades na mesma época, como na Itália, Alemanha e outros, e isso fez com que cada vez mais pessoas se espelhassem no modelo francês, inglês, europeu em geral em todos os sentidos, o Império entrava assim na modernidade, e, não somente isso, o sentimento nacionalista, a ideia de construção de nação, cada vez crescia mais entre os otomanos.

A Guerra da Criméia (1853 – 1856)

No início dos anos de 1850 mais uma vez russos e otomanos se confrontam. Mas o mais interessante aqui é que os franceses e ingleses se aliaram aos otomanos contra os interesses russos na região. Desde o fim do século XVIII os russos tentavam aumentar a sua influência na península balcânica. Em 1853 o Czar Nicolau I invocou o direito de proteger os lugares santos dos cristãos em Jerusalém, parte do Império Otomano, e invadiu com suas tropas províncias otomanas onde hoje é a Romênia e Moldávia. Naquele momento otomanos e ingleses estavam mais unidos, pois ingleses começavam a adentrar em territórios otomanos com vários objetivos, então se aliaram ao Império. O conflito iniciou-se efetivamente em março de 1854 sendo que em agosto, os turcos, com o auxílio de seus aliados, já haviam expulsado os invasores dos Bálcãs. De forma a encerrar definitivamente o conflito, as frotas dos aliados convergiram sobre a península da Crimeia, desembarcando tropas em setembro daquele ano, iniciando o bloqueio naval e o cerco terrestre à cidade portuária fortificada de Sebastopol, sede da frota russa no mar Negro. Embora a Rússia tenha sido vencida em muitas batalhas, o conflito arrastou-se com sua recusa em aceitar os termos de paz. A guerra terminou com a assinatura do Tratado de Paris em 30 de Março de 1856, onde o novo Czar, Alexandre II devolvia a Bessarábia e territórios do Danúbio aos otomanos e ficava proibido de manter forças no mar negro, e o Império Otomano era admitido na comunidade das potências europeias, tendo o sultão se comprometido a tratar seus súditos cristãos de acordo com as leis europeias.


Abdul Mejid I morreu em 25 de junho de 1861 de tuberculose e foi substituído como sultão por seu irmão Abdalazize I (1830 – 1876). Apesar deste ser uma esperança para os velhos otomanos, aqueles que esperavam que o Império voltasse atrás nas inúmeras reformas que o mesmo estava passando, o mesmo não agiu assim e continuou a reformar o império. Mas na época de seu reinado o mais importante não fora em si suas reformas, mas o que elas provocaram na sociedade. Como já descrito o Império Otomano tomava forma de nação, aquilo que começou como reformas para desenvolver o império, fazia com que o mesmo entrasse na era dos Estados Nacionais que estavam surgindo, e nesse contexto o liberalismo surgiu e cresceu como doutrina política no império, assim, no ano de 1865, alguns jovens, de idade entre 20 e 35 anos, que já haviam nascido sobre esse contexto reformista imperial, mas que estavam insatisfeitos com as reformas pois acreditavam que elas não produziam efeito real sobre a sociedade e sobre o Império criaram um grupo secreto chamado Jovens Otomanos, que era um protótipo dos Jovens Turcos, que surgiria no início do século XX. Esse grupo, o Jovens Otomanos era formado por intelectuais e políticos, que em menos de 10 anos cresceriam tanto que ganhariam força política e seriam um obstáculo bem forte para o Sultão. Esse grupo ainda era apegado as tradições otomanas, mas dando passos a frente ainda não imagináveis, eles ao mesmo tempo defendiam a religião islâmica como religião de estado bem como uma idéia de nacionalismo otomano, mas também pregavam que o país deveria ter uma constituição e essa deveria ser mais liberal.

O governo do Sultão Abdulaziz I foi marcado pelas boas relações com a França e a Inglaterra, bem como por muitas articulações de seus Vizires, Mehmed Fuad Pashá (1861 – 1869) e Mehmed Emin Ali Pashá (1869 – 1871). Abdulaziz foi encontrado morto em seu palácio em 30 de Maio de 1876, não se sabendo ao certo se o mesmo foi envenenado ou se ele se matou. Posteriormente viria uma das fazes de mais poder do sultão, mas de grandes disputas por poder, bem como de ingerencias que colocariam os grandes impérios frente a frente, o reinado de Abdul Hamid II, um dos mais fortes e emblemáticos sultões, que será tratado na parte 3 desta série.

Bibliografia

Uma História dos Povos Árabes, por A. Hourani, 2006.
Decline and Fall of Otoman Empire, por A. Palmer, 1997.




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