A ESCOLA DE TEOLOGIA ASHARI


Por: R. Hussein Silva

O Ashʿarismo ou escola de teologia Ashʿari, ou como é mais conhecida no português, ashari, é a mais difundida escola teológica do islamismo sunita que estabeleceu uma diretriz ortodoxa dogmática baseada na autoridade clerical, fundada pelo teólogo árabe Abu al-Hasan al-Ashʿari (874 – 936 / 260 – 324 d.H.). Os discípulos da escola são conhecidos como Ashʿaritas, e se tornou a corrente dominante dentro do Islam Sunita. É considerada uma das escolas ortodoxas de teologia no islamismo sunita, ao lado da escola de teologia Maturidi e Athari.

Seu Fundador

Abu al-Hasan al-Ashʿari (874 – 936 / 260 – 324 d.H.) nasceu em Basra, no Iraque, e era descendente do famoso sahaba [companheiro] de Muhammad (saws), Abu Musa al-Ashari. Quando jovem, estudou com Abu Ali Muhammad Al-Jubba'i, um renomado professor de teologia e filosofia Muʿtazilita. Ele permaneceu Muʿtazalita até o seu quadragésimo ano, quando Al-Ash'ari viu Muhammad (saws) em um sonho no Ramadã. Muhammad (saws) disse a ele para se apoiar no que foi relacionado de si mesmo, isto é, as tradições (hadiths). Depois dessa experiência, ele deixou os Muʿtazalitas e tornou-se um de seus mais distintos oponentes, usando os métodos filosóficos que aprendeu. Al-Ash'ari passou os anos restantes de sua vida engajado em desenvolver seus pontos de vista e em compor polêmicas e argumentos contra seus ex-colegas muʿtazalistas. Diz-se que ele escreveu até trezentas obras, das quais apenas quatro ou cinco são conhecidas.

Depois de deixar a escola Muʿtazili, e juntando-se ao lado dos teólogos tradicionalistas, al-Ash'ari, formulou a teologia do islamismo sunita. Ele foi seguido por um grande número de ilustres estudiosos, a maioria dos quais pertencia à escola de jurisprudência Shafi'i. Os mais famosos deles são Abul-Hassan Al-Bahili, Abu Bakr Al-Baqilani, al-Juwayni, Al-Razi e Al-Ghazali. Assim, a escola de Al-Ash'ari se tornou, junto com a Maturidi, as principais escolas refletindo as crenças da Sunnah, pois nessa época os atharis começavam a diminuir devido so avanço dessas duas anteriores.

De acordo com a tradição sunita, al-Ash'ari defendia a opinião de que um muçulmano não deveria ser considerado um incrédulo por causa de um pecado, mesmo que fosse muito grande como beber vinho ou roubar. Isso se opôs à posição mantida pelos Khawarij. Al-Ash'ari também acreditava ser inadmissível opor-se violentamente a um líder, mesmo que ele estivesse abertamente desobediente aos mandamentos da lei sagrada. Al-Ash'ari escreveu em grande parte de seus trabalhos opondo-se aos pontos de vista da escola Muʿtazili. Em particular, ele refutou-os por acreditar que o Alcorão foi criado e que as ações são feitas por pessoas segundo sua própria vontade. Ele também rebateu a escola Muʿtazili por negar que Allah possa ouvir, ver e falar. Al-Ash'ari confirmou todos esses atributos afirmando que eles diferem da audição, visão e fala de criaturas, incluindo o homem. Ele também foi conhecido por seus ensinamentos sobre atomismo, a crença de que Allah se manifesta em cada átomo.

Os Trabalhos de Al-Ash'ari

Segundo o sábio ashari, Ibn Furak, os trabalhos de Abu al-Hasan al-Ash'ari são em torno de 300 [livros]. Ibn Asāker dá os títulos de 93 deles, mas apenas um punhado desses trabalhos, nos campos da heresiografia e da teologia, sobreviveu. Os três principais são:

  • Maqalat al-Islamiyn: que compreende não apenas um relato das seitas islâmicas, mas também um exame dos problemas no kalam, e fala sobre os Nomes e Atributos de Allah; a maior parte deste trabalho parece ter sido completada antes de sua conversão para fora dos Muʿtaziltas.
  • Kitab al-Luma: Livro desconhecido seu conteúdo, mesmo em inglês.
  • Kitab al-Ibana an Usul al-Diyana: A autenticidade deste livro foi questionada por alguns de que ele realmente foi escrito por al-Ash'ari, porém uma grande maioria de sábios o considera.

Crenças dos Asharis

A teologia Ashʿarita sustenta que:

Deus é todo-poderoso, portanto todo bem e mal é o que Deus manda ou proíbe. O que Deus faz ou comanda - como revelado no Alcorão e no ahadith - é, por definição, justo. O que ele proíbe é, por definição, injusto. O certo e o errado não são realidades objetivas.
Não há limites para o poder de Allah. Alguns atos ou comandos divinos podem parecer injustos aos seres humanos, mas a natureza única e os atributos de Allah não podem ser compreendidos completamente pelo raciocínio humano e pelos sentidos.
A razão [Al-Aql] é dada por Allah e deve ser empregada para julgar a fonte de conhecimento.
A investigação intelectual é decretada pelo Alcorão e por Muhammad (saws), assim as interpretações do Alcorão (Tafsir) e do Hadith devem continuar se desenvolvendo com a ajuda de interpretações mais antigas, tais como a filosofia.
Só Deus conhece o coração dos fiéis.
Deus pode perdoar os pecados daqueles [que estão] no inferno.
Apoio ao kalam.
Embora os seres humanos possuam o livre-arbítrio (ou, mais precisamente, a liberdade de intenção), eles não têm poder para criar qualquer coisa, assim simplesmente decidem entre as possibilidades dadas por Deus. Essa doutrina é agora conhecida na filosofia ocidental como ocasionalismo. De acordo com a doutrina da kasb (aquisição), todo e qualquer ato humano, até mesmo o levantar de um dedo, é criado por Allah, mas o ser humano que realiza o ato é responsável por isso, porque eles "adquiriram" o ato.
O Alcorão é a palavra incriada de Allah em essência, no entanto, em seguida, assume uma forma em letras ou som.
O conhecimento de Allah vem do estudo dos santos nomes e atributos, além de estudar o Alcorão e os hadites de Muhammad (saws).
O muçulmano deve acreditar nos cinco pilares do Islam, em todos os Profetas do Islam, de Adão até Muhammad (saws) e nos anjos.

Dentre os principais sábios asharis, podemos citar Abu Zakaria al-Nawawi (1233 – 1277) que escreveu o 'Riyad Assaleheen' (Jardim dos Virtuosos) e os '40 Hadites'. Também citamos o sábio persa Al-Ghazali (1058 – 1111) conhecido pelo livro 'A Incoerência dos Filósofos'. Também há os sábios Abu Fadl al-Suyuti (1445 – 1505) e Abu Abdullah Al-Qurtubi (1214 – 1273).

Críticas

Ibn Taymiyyah foi um dos que mais atacou o pensamento Ashari como diz nas palavras de um historiador chamado Jonathan A. C. Brown: "uma solução grega para os problemas gregos" que "nunca" deveria ter preocupado os muçulmanos. Ambos Shah Wali Allah e Ibn Taymiyyah rejeitaram a falta de literalismo da “teologia especulativa” ashari e defenderam a “aceitação direta da descrição de Allah a Si mesmo”. Por outro lado, o orientalista alemão Eduard Sachau culpou a teologia Ashʿari e seu maior defensor, al-Ghazali, especificamente, do declínio da ciência islâmica a partir do século X, e afirmou que os dois clérigos eram o único obstáculo para o mundo muçulmano se tornar uma nação de "Galileu, Kepler e Newton".

Outros, no entanto, argumentam que os asharis não apenas aceitavam métodos científicos, mas os promoviam. Ziauddin Sardar ressalta que alguns dos maiores cientistas muçulmanos, como Ibn al-Haytham e Abu Rayhan al-Bīrūnī, que foram pioneiros do método científico, eram eles mesmos seguidores da escola Ashari de teologia islâmica. Como outros asharis acreditavam que a fé e a taqlid deve ser aplicável ao Islam e pode ser aplicada a autoridades helenísticas antigas, a visão de Ibn al-Haytham que o taqlid deve ser aplicável apenas aos profetas do Islam e não a quaisquer outras autoridades formaram a base para muito do suas críticas contra Ptolomeu e outras autoridades antigas. Alguns autores questionaram o valor espiritual dos métodos de discussão empregados pelos asharis e outros teólogos dialéticos. Fakhr al-Din al-Razi, ele próprio uma figura importante da escola ashari, disse no final de sua vida: "Eu empreguei todos os métodos que a filosofia e a dialética haviam fornecido, mas no final percebi que esses métodos não podiam trazer consolo para o coração cansado nem sacia a sede do sedento. O melhor método e o mais próximo da realidade foi o método fornecido pelo Alcorão."

Bibliografia

Abdullah Saeed Islamic Thought: An Introduction Routledge 2006
Juan Eduardo Campo Encyclopedia of Islam New York, NY 2009
Halverson, J. Theology and Creed in Sunni Islam. Springer. p. 9. Retrieved 12 July2016.
John L. Esposito The Oxford History of Islam Oxford University Press 2000

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