O WAHABISMO NO BRASIL - PARTE I


Por Rafael “Hussein” Silva [1]

Há muito tempo algumas pessoas já me tem pedido para fazer uma aula ou um texto sobre o wahabismo no Brasil. Porém antes de começar, noto que existem muitos equívocos sobre o mesmo, pois até árabes pouco estudados tem trazido para nossas terras já um conceito generalizado sobre o wahabismo. Então antes de falarmos claramente sobre o wahabismo em terras tupiniquins, vamos desfazer um conceito muito amplamente difundido que é a miscigenação do conceito de wahabismo e salafismo.
Pois bem, nenhum wahabi gosta de ser chamado por esse nome, acreditam ser ele um nome degenerativo, preferem que se use o termo “salafi”. Mas notamos aqui que esse termo tem sofrido mudanças quanto ao emprego do uso desse nome, pois wahabismo e salafismo são movimentos diferentes que surgiram em lugares diferentes. Por isso um wahabi é simplismente um wahabi, mesmo ele não gostando desse nome. Para alguém com um pouco de estudo, ouvir um wahabi brasileiro dizer que é salafi, soa tão absurdo como um brasileiro mestiço dizer que é nazista, visto que o nazismo é um movimento político alemão, com características alemãs e nada tem a ver com Brasil.
Vamos compreender melhor a situação conceituando basicamente e rapidamente cada um dos dois movimentos.

Wahabismo: Esse movimento surgiu das pregações e ensinamentos de um homem chamado Muhammad Ibn Abdul Wahab que viveu em meados do século XVIII d.C (XII d.H) [2]. Esse homem pregava uma espécie de “puritanismo” islâmico, ou seja, que o islamismo devia ser purificado das inovações e influências ruins da religião. Porém baseado numa escola de jurisprudência bem dura, o hanbalismo, onde as pessoas não devem raciocinar sobre o que está escrito no Alcorão e na sunnah [3], e nos escritos de Ibn Taymmiyah [4] o seu movimento foi se radicalizando ao ponto de mandar matar os infiéis (aqueles que não pensavam como eles) a fim de purificar o islamismo. Outras pregações bem conhecidas do Wahabismo, influenciadas logicamente por outras doutrinas contemporâneas, são: A crença na literalidade do Alcorão Sagrado; a aplicação da Sharia apenas como um método externo punitivo; o sectarismo, aqueles que não seguem o ‘islam puro não são muçulmanos’ (pensamento e ensinamento claro do wahabis); e outros do tipo. No final do séc. XVIII os wahabis se uniram ao clã dos Saudis para a unificação do Hejaz e a formação do I Reino Saudita (a atual Arábia Saudita é o III Reino, fundado nos fins da I Guerra Mundial).
Salafismo: O salafismo é um movimento político de resistência as ocupações imperialistas da França e da Inglaterra ao norte da África (em principal o Egito) surgido no século XIX [5]. Apesar de muitas e muitas similaridades com o wahabismo, já que também mais de 90% dos ensinos desse movimento é baseado nos livros de Ibn Taymmiyah (primeiro radical islâmico, viveu no século XII d.C), o salafismo é um movimento muito mais político do que religioso, aplicado as necessidades norte-africanas, por isso em nada tem a ver com o Brasil.

Após a unificação saudita, o pacto entre os saudis e os wahabis, o wahabismo se tornou a seita dominante da Arábia Saudita, que com a descoberta do petróleo na década de 1920 se tornou um dos mais poderosos países árabes, exportando além do petróleo, o wahabismo para o mundo todo. Influenciado pelo wahabismo e outras doutrinas, no século XX surgiu o movimento conhecido como ‘Jihadismo’, ou seja, matar todos aqueles que não são muçulmanos ou que se apostataram do islam para trazer de volta o califado. É nesse contexto que surge o grupo Estado Islâmico.
O Brasil nunca foi terra que abrigou muitos sauditas, até os dias atuais o número é bem pequeno, porém várias árabes com algumas ideias radicais já vieram morar aqui. Mas o problema não surge aí.
No ano de 2001, com os atentados terroristas de 11 de setembro, o islam foi parar na midia, aí surgem nossos problemas.

(Continua na Parte II)

FONTES:
1 - Formado em História, muçulmano desde 2010, já traduziu 4 livros islâmicos para o português e lançou um. Dono desse e de outros blogs.
2 - Tarikh Najd by 'Husain ibn Ghannam, Vol. 1, Pg. 76–77.
3 - Hisham M. Ramadan (2006), Understanding Islamic Law: From Classical to Contemporary, Rowman Altamira, p. 24-29.
4 - Albert Hourani (2005), Uma História dos Povos Árabes, Cia das Letras, cap. Ibn Taymmiyah.
5 - Yasir Qadhi (2014), On Salafi Islam, cap. IV.

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