A SICÍLIA MUÇULMANA: ACENSÃO E QUEDA DO ISLAM NA ITÁLIA

Por Firas Al-Khateeb

Quanto ao tema do Islam no continente europeu, o foco é geralmente exclusivo para o período em que a Espanha foi muçulmana, a Al-Andalus, que durou de 711 a 1492 (e com uma população minoritária muçulmana que permaneceu até 1609) e o Império Otomano, que atravessou a Anatólia ao Sudeste da Europa no início do século XIV.

O que geralmente é esquecido é o período de domínio muçulmano na Sicília, uma ilha ao largo da costa sul da península italiana. Foi ali que as dinastias muçulmanas governaram por mais de 200 anos e uma grande população muçulmana chamou essa ilha de casa. Este artigo explorará a ascensão do Islam na Sicília sob a Dinastia de Aghlabida, o subsequente controle muçulmano da ilha e a eventual conquista normanda do século XI.

O Governo Alghabida no Norte da África

A conquista muçulmana do norte da África pode ser vista como uma continuação da guerra entre os governos muçulmanos e o Império Bizantino (Romano Oriental) que remonta à vida do Profeta Muhammad (saws). Após a explosão inicial da expansão muçulmana durante o califado de Umar (634-644) que conquistou o Egito e a metade oriental da Líbia moderna, a atividade militar muçulmana diminuiu durante os califados de Uthman e Ali. Entretanto uma atividade militar continuou após o estabelecimento do califado dos Omíada por Mu'awiya em 661. No final do século VII, os exércitos muçulmanos sob o comando de Musa Ibn Nusayr chegaram às margens do Oceano Atlântico no Marrocos.


O governo dos Omíadas no norte da África era tênue, na melhor das hipóteses. Enquanto as principais cidades ao longo da costa estavam firmemente sob o controle dos Omíadas, as áreas rurais eram dominadas pelos nativos da região, os Amazigh, que nem sempre aceitavam a soberania dos Omíadas. A autonomia relativa do norte da África só aumentou após a Revolução Abássida em 750, que viu uma nova família aderir ao califado e uma nova capital surgir para o mundo muçulmano sendo construída em Bagdá.

Devido à dificuldade envolvida no governo do norte da África que era distante, o governo Abássida permitiu que um governador local, Ibrahim Ibn Al-Aghlab, subisse ao poder e estabelecesse uma dinastia semi-autônoma baseada em Qayrawan (na Tunísia moderna) em 799 que nominalmente aceitou a soberania abássida. Ao contrário do foco anterior na expansão omíada, o nascente emirado Aghlabida concentrou-se no gerenciamento das facções concorrentes em seu domínio,  particularmente o exército permanente dominado por árabes e o nativos Amazigh.

A Conquista da Sicília

Durante a instabilidade do início do século IX, surgiram alguns fatores que provocaram uma expedição dos Aghlabidas para a Sicília. O primeiro deles, os problemas políticos na ilha levaram à chegada ao tribunal dos Aghlabidas em 826 de Euphemius, um comandante do exército bizantino em revolta contra o Império Bizantino. Os motivos de sua revolta não são claros, e o emir Aghlabida, Ziyadat Allah I, inicialmente hesitou em oferecer ajuda, especialmente considerando que um tratado de paz com os bizantinos em 817 estava aparentemente ainda em vigor.

Outro personagem principal e figura histórica que ajudou a tornar a invasão uma realidade foi Asad Ibn Al-Furat, que era um estudioso da lei islâmica (fiqh) e que estudou no Oriente com Imam Malik, bem como com dois dos estudantes do Imam Abu Hanifa, Abu Yusuf e Muhammad Al-Shaybani.
Ele era politicamente ativo no emirado Aghlabida e detinha um grande respeito entre as pessoas por seus estudos com alguns dos maiores estudiosos de sua era. Para Ziyadat Allah I, ele era um incômodo que poderia causar problemas, particularmente considerando a tênue estabilidade do emirado, em primeiro lugar. Por sorte, para o emir, Ibn Al-Furat foi a favor de uma invasão da ilha e argumentou que o tratado de paz estava anulado de qualquer forma devido à captura bizantina de vários comerciantes muçulmanos.

Para Ziyadat Allah I, a situação era perfeita. Ele poderia simultaneamente atacar os bizantinos, enfraquecendo sua presença comercial no Mediterrâneo central e fortalecendo seu próprio controle ao enviar Asad Ibn Al-Furat (juntamente com vários outros leigos e soldados potencialmente rebeldes) sobre o que ele provavelmente pensava ser um homem malvado, nume expedição prevista para a ilha.

Mas a expedição acabou sendo muito mais bem sucedida do que provavelmente se imaginava. O exército (que provavelmente não contou mais de 10.000 homens) deixou o norte da África em junho de 827 e chegou na costa oeste da Sicília dentro de alguns dias. Uma batalha subseqüente entre as forças de Asad Ibn Al-Furat e os soldados bizantinos locais terminou em vitória para os muçulmanos e o retiro da maioria dos soldados bizantinos para as cidades fortificadas de Palermo e Siracusa, nas costas do norte e leste da ilha, respectivamente.

Após um cerco falido de Palermo, no qual Asad Ibn Al-Furat morreu de doença em 828, o exército muçulmano foi para o interior, perseguido pelos bizantinos, agora reforçado com novas tropas e navios chegados pelo Mar Egeu. Após numerosas perdas em batalhas e mortes devido a doenças, a invasão parecia estar à beira do fracasso quando um contingente de soldados de Omíadas de Al-Andalus chegou à ilha em 830 e uniu forças com o restante da expedição dos Aghlabidas.
Este foi o grande ponto da virada, já que o exército muçulmano renovado agora marchava para Palermo e a sitiou com sucesso.

Neste ponto, Ziyadat Allah I, que não estava particularmente envolvido na invasão, se interessou pela ilha e enviou um primo para atuar como governador a partir de Palermo (conhecido como Balarm pelos árabes). A Sicília agora começou a ser considerada uma província do emirado Aghlabida, com governo e economia em funcionamento. Com um renovado interesse pela ilha, a conquista continuou de forma fragmentada. Aldeias e cidades aceitaram individualmente o controle muçulmano com base em Palermo, com a metade oriental da ilha mantendo com mais força. Siracusa foi finalmente conquistada em 878 e as últimas propriedades bizantinas foram tomadas em 965.

No que diz respeito ao governo, o sistema estabelecido na ilha foi semelhante ao governo Aghlabida em outras regiões. A província foi liderada por um governador, que estava nominalmente sob a autoridade do emir Aghlabida em Qayrawan, mas muitas vezes governou semi-independentemente.
Enquanto os muçulmanos estavam sujeitos à lei islâmica, tal como ditados pelos qadi's e eruditos religiosos, os cristãos e os judeus eram livres para serem governados por suas próprias leis, desde que pagassem o imposto de proteção (jizya) e quaisquer impostos sobre a terra (kharaj) que devessem. Os muçulmanos estavam sujeitos aos impostos religiosos (zakat) e impostos sobre a terra.

O Governo Fatimída

No início do século X, surgiu um movimento importante no norte da África que afetaria os muçulmanos em todo o mundo islâmico. Em 909, um hoem que reinvindicava ser descendente do Profeta Muhammad (saws), Abdullah Al-Mahdi, declarou-se Imam [líder espiritual] da comunidade ismaelita xiita e líder legítimo do mundo muçulmano. Usando uma rede de informantes e proselitistas em todo o norte da África e mais o descontentamento Amazigh com árabes, ele rapidamente consolidou o poder e capturou Qayrawan, derrubando a Dinastia Aghlabida.

Desde a sua criação, o emirado da Sicília estava vinculado ao governo do norte de África, e os líderes locais reconheceram que isso provavelmente teria que continuar mesmo com os xiitas Fatimídas.
Um representante escolhido pela elite da Sicília tentou se encontrar com o líder fatimída para garantir a autonomia relativa da Sicília, mas foi preso no norte da África. Em seu lugar, Al-Mahdi enviou um governador xiita e qadi para dominar a ilha em nome do Imam.

Com a reputação de rebeldia da Sicília, a nova administração fatimída promulgou leis políticas pesadas destinadas a subjugar a província. A tentativa de controle direto, juntamente com um novo imposto, os khums [o quinto, normal entre xiitas], que decretou que 1/5 de todos os ganhos fossem encaminhados diretamente para o Imam Fatimída, o que levou a oposição generalizada pela população sunita e a derrubada quase imediata do primeiro governador fatimída.

Uma rebelião subseqüente em 913 destituiu completamente a ilha da dominação fatimída por alguns anos, mas foi brutalmente suprimida pelos fatimídas em 918. Outra revolta começou em 937 [na cidade de] Agrigento e foi apoiada por comunidades muçulmanas em toda a ilha a partir de 939. Uma expedição fatimída suprimiu essa revolta, massacrando cidades que foram então repovoadas por novos imigrantes do norte da África, que eram mais leais ao governo fatimída.

Na tentativa de solidificar seu controle sobre a ilha, os Fatimidas nomearam Al-Hasan Al-Kalbi como governador militar leal ao Imam Fatimída, como governador da ilha em 964. Ele inauguraria uma dinastia na ilha, onde seus descendentes governariam sob a autoridade fatimída pelos próximos cem anos.

Enquanto a era da dinastia Kalbida na Sicília viu a conquista dos últimos postos cristãos restantes, o conflito em curso na ilha não cessou. A repressão fatimída ao islamismo sunita, ao qual a grande maioria dos muçulmanos da ilha aderiram, exacerbou as tensões, enquanto o conflito entre os muçulmanos sicilianos nativos e os árabes do norte da África e os imigrantes amazigh's causava uma grande fractura social.

Militariamente, a dinastia Kalbida viu o declínio do poder da Sicília no Mediterrâneo central. No início do século XI, os emires dos Kalbidas não estavam inclinados a continuar ataques contra postos avançados bizantinos na parte sul da península italiana. Além disso, a própria população tornou-se mais sedentária, com numerosos homens buscando isenções para evitar o recrutamento militar.

A Conquista Normanda e a Queda do Islam na Sicília

No início do século XI viu-se a imposição de novos impostos sobre os muçulmanos da Sicília pelo emir kalbida Al-Akhal para fortalecer a ilha como uma política independente que pudesse gerenciar sua própria defesa. Desde a conquista fatimída do Egito em 969, a maior parte do poder militar e naval do norte da África deslocou-se para o Mediterrâneo oriental, deixando a Sicília vulnerável aos ataque bizantinos.

Os novos impostos, juntamente com as tensões já existentes entre a população da ilha e seus governantes fatimídas/Kalbidas, fizeram com que um grupo de nobres sicilianos buscassem a ajuda da dinastía zirída recém-independente da Tunísia.
Em 1036, uma força Zirida cruzou do norte da África para a Sicília e rapidamente assumiu o comando de Palermo e matou Al-Akhal.

Os Zirídas queriam levar a ilha sob seu próprio controle, bem como os Aghlabidas dois séculos antes. Os temores da dominação norte-africana fizeram com que os moradores de Palermo se rebelassem contra seus novos governantes Ziridas e forçassem a expedição de volta à Tunísia, pouco depois da chegada à ilha.

Neste período, o controle da ilha entrou num momento de descentralização, já que as províncias, lideradas por líderes militares, declararam sua independência na ausência de um governo central na ilha. Era muito parecido com o período das Ta'ifa's em Al-Andalus, as diferenças étnicas, políticas e econômicas dividiram os muçulmanos da região em facções concorrentes.

Outra semelhança com o modelo andaluz foi a chegada em cena dos poderosos reinos cristãos ansiosos para se aproveitar da desunião muçulmana. Os normandos, uma dinastia originária do norte da Europa que era famosa pela sua capacidade militar (como evidenciado pela conquista da Inglaterra em 1066) governou o sul da Itália e aproveitou a oportunidade para invadir a ilha em 1052. Uma tentativa zirida de defender a ilha nunca se materializou devido à sua preocupação com as guerras tribais no norte da África, juntamente com a determinação dos muçulmanos sicilianos de não serem governadas por um poder norte-africano.

Em 1065, a maior parte da ilha estava sob controle Normando. Palermo caiu em 1072, Siracusa caiu em 1085 (aliás, no mesmo ano, a cidade andaluza de Toledo nas mãos de Castela), e o posto final do controle islâmico na Sicília, cidade costeira do sul de Noto, caiu em 1090.

Como em Al-Andalus, uma população muçulmana (é provável que a maioria da ilha seguisse o Islam após a conquista normanda) continuou a viver sob o domínio cristão. O tratamento da população muçulmana dependia dos objetivos e do temperamento do rei normando no poder na época. O reinado de Roger II de 1130 a 1154 foi particularmente tolerante. Foi durante esse reinado que o grande geógrafo Al-Idrisi completou seu atlas mundial conhecido como Tabula Rogeriana.

Independentemente disso, milhares de muçulmanos escolheram migração voluntária para terras muçulmanas ao continuarem a viver sob o controle cristão normando. Enquanto isso, as cruzadas em curso no Levante, juntamente com as revoltas muçulmanas esporádicas na Sicília, agravaram as relações entre muçulmanos e cristãos em toda a Europa.
Em 1189, os muçulmanos de Palermo foram massacrados e, em 1199, o Papa Inocêncio III declarou os muçulmanos na Sicília serem "elementos hostis" ao estado. Numerosos foram exilados e forçados a grandes impostos continuaram durante os séculos XII e XIII, e em 1266 os últimos muçulmanos foram forçados a sair da ilha, terminando em mais de 400 anos de islam na Sicília.

Para Saber Mais:
Abun-Nasr, Jamil M. A History of the Maghrib. Cambridge: Cambridge University Press, 1971.
Chiarelli, Leonard C. A History of Muslim Sicily. Venera, Malta: Midsea Books, 2011.

Texto Traduzido a Partir de: http://lostislamichistory.com/muslim-sicily/

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