QUEM SAO OS ALAUITAS MINORIA DO EX-PRESIDENTE SÍRIO
QUEM SÃO OS ALAUITAS, MINORIA DO EX-PRESIDENTE SÍRIO
Por: Rafael “Hussein” Silva
Historiador e Muçulmano
O dia 08 de dezembro de 2024 foi um marco para todos os sírios, após treze anos de guerra civil os rebeldes entraram em Damasco e depuseram Bashar al-Assad, que governava o país a 24 anos, e juntando com o governo de seu pai antes dele, a família al-Assad governou a Síria por cerca de 50 anos. Na segunda-feira (09 de dezembro) vários jornais e veículos de informação, além de explicarem tudo o que ocorreu, dedicaram matérias para falar sobre quem foi o presidente deposto, sua vida e fatos, porém não se aprofundaram sobre o fato de ele ser alauita, então hoje esse texto é para uma melhor compreensão do que é o alauismo, de onde ele vem, e talvez até mesmo podermos entender o que poderá acontecer com as minorias étnico-religiosas que habitam o país.
O termo “alauita” (no árabe al-alawiyyun) é bem recente, e passa a ser aplicado apenas após a I Guerra Mundial (1914–1918) por estrangeiros que conheciam aqueles povos, com os mesmos não usando esse termo para se referirem a eles mesmos. Samuel Lyde (1825–1860), um orientalista inglês e um dos primeiros ocidentais a viver entre os alauitas, disse que os mesmos se referiam a eles como “ansaris” (numa referência aos antigos companheiros do profeta Muhammad (saws)) [1]. Porém os árabes os chamam de Nusayris (al-Nusayrryyah) em referência ao nome de seu fundador Muhammad ibn Nusayr ibn al-Numayri. Porém para compreendermos mesmo quem são esses alauitas ou nusayris, temos que voltar lá no início do xiismo, já que o alauismo é uma forma de xiismo.
O xiismo (do árabe shiat Ali, ou seja, partidários de Ali) é a seita do islam que acredita que Ali (ra), o primo e genro do profeta Muhammad (saws) deveria ser o sucessor do profeta após sua morte. E após a morte de Ali (ra) o imamato, ou seja, a guia da comunidade muçulmana deveria continuar com sua descendência, porém com a vinda de vários filhos de diferentes ramos da árvore familiar, e a diferenças formas de interpretação dos textos sagrados, fez com que o xiismo se dividisse em várias sub-seitas com pensamentos destintos entre elas [2]. Podemos agrupar essas sub-seitas xiitas em 3 tipos diferentes:
A primeira seria os heterodoxos, aqueles que acreditam que Ali (ra) foi o sucessor do profeta e imam da comunidade muçulmana, porém veem ele como um ser humano, passível de erros, com defeitos, uma pessoa simples. Uma das seitas desse tipo que podemos citar são os zaiditas do Iêmen atual. A segunda seriam os ortodoxos, aqueles que enxergam Ali (ra) em um meio termo, como um humano, mas com características próximas ao divino, ou seja, é um ser humano infalível, sem defeitos e uma das primeiras criações de Allah em forma de luz. Como exemplo desses xiitas temos a seita dos duodecimanos, que habitam hoje o Irã, grande parte do Iraque e do Líbano, e uma pequena comunidade na Síria. E o terceiro tipo são os exagerados (ghullat em árabe), que são aqueles que acreditam que Ali (ra) é uma encarnação de Allah, ou seja, Ali (ra) seria o próprio Deus na carne. Os alauitas são o principal exemplo desse último tipo de seita [3].
O alauismo foi criado por Muhammad ibn Nusayr, que era um seguidor dos Imam al-Hadi e Imam al-Askari, o anti-penúltimo e penúltimo imames do xiismo duodecimano, quando esse al-Nusayr se declarou porta-voz do último Imam, al-Mahdi, e declarou também que Ali (ra) era Deus. Devido a suas crenças exageradas, os nusayris começaram a viver escondidos em comunidades pequenas. Até o início do século 13 a maioria dos alauitas viviam no Iraque, porém com as invasões mongóis a comunidade imigrou para a Síria. Dentre os imigrantes estava a tribo al-Mutawira, ancestrais da família al-Assad. Com a conquista otomana da Síria em 1516 e a repressão por parte do sultão otomano Selim I, que via os xiitas como possíveis aliados dos seus inimigos safávidas, fez com que essas tribos de seitas minoritárias (não apenas alauitas, mas drusos e xiitas duodecimanos) se refugiassem em áreas mais montanhosas a fim de se proteger, e assim nasceu as comunidades alauitas em volta de Latakia e Taurus na Síria, onde permanecem a maioria dos alauitas até os dias atuais.
Com o fim do domínio da Síria pelo Império Otomano após a Grande Guerra em 1918, os franceses vão manipular a Síria para que as diferenças sectárias continuem existindo para que eles possam dominar a região com mais facilidade [4], e com isso dão cada poder dentro do estado para seitas e religiões diferentes, sendo que o cristianismo era favorecido por ser a religião dos colonizadores. Os alauitas ficam no controle do exército, e ali surge Hafez al-Assad, pai de Bashar al-Assad, que em 1971 dá um golpe junto a outros oficiais e assume a presidência do país. Daí para frente a história já nos é conhecida.
NOTAS:
[1] SEALE, Patrick. Asad: The Struggle for the Middle East. University of California Press, 1992. Pag. 10.
[2] TABATABAI, Ayatullah Muhammad Hussein. O Xiismo no Islam. Arresala: São Paulo, SP, 2008. Pág. 28.
[3] MOOSA, Matti. Extremist Shiites: The Ghulat Sects. Siracusa: Syracuse University Press, 1987. Capitulo 22.
[4] SHOUP, John A. The History of Syria. Greenwood: Santa Bárbara, CA, 2018. Capítulo 7.
Olá, estou conhecendo agora seu blog! Achei muito interessante os estudos islâmicos, vou acompanhar
ResponderExcluirMuito obrigado, não ando publicando muito pq trabalho em outras coisas. Se desejar pode curtir essa página, https://www.facebook.com/profile.php?id=100066521260265 (História do Islam, no facebook) que sempre tento por lá o que publico aqui, creio que fica mais fácil de se manter seguindo as postagens.
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